para ficar

 Não sei ao certo quando deixamos de amar alguém. Não sei sequer se isso alguma vez acontece, se o amor apenas se transforma e se aperta dentro do peito. É por isso que nos custa tanto perder quem amamos. Os sentimentos compactam-se todos, numa reacção tão química que parece física, as memórias lá se enrolam bem umas às outras e o ser até parece renascer uns meses depois.

Mas essa coisa da dor, tem que se lhe diga. Não passa, não atenua mesmo que durmamos horas sobre o assunto. Continua ali, atrás da porta e entre as letras das músicas e as vírgulas dos livros. Não há analgésico, antidepressivo ou mesmo veneno fatal que nos remova do sangue o desgosto e a tristeza, as lágrimas de meia noite que até podiam ter ficado debaixo da almofada, mas por serem quase tão potentes como persistentes, nos correm pela cara assim que tocamos na ferida.

 Deve ser por isso que gosto de escrever. Melhor, que me perco a escrever. Essa coisa da dor fica no papel, consigo olhar para ela, vê-la em forma, cor e feitio. Ás vezes lá lhe sinto a textura, de tão presente que está. Mas nunca me custa, nunca me dói. O que me magoa é não poder escrever, não conseguir escrever. Mesmo que entre as linhas se leia sempre o mesmo.

 Hoje ainda se me aperta o nó sempre que sei que alguém sofre de ou por amor. Só me apetece pedir-lhes que escrevam, que se dispam para o papel, numa nudez segura e tranquila, que traz à tona as artérias moídas e o coração estafado. E depois de descrita a dor, é tempo de a ridicularizar, rindo subtilmente da nossa desgraça, olhando para os soluços da perda como armaduras ferozes que um dia poderemos utilizar.

E ter a segura e humilde certeza de que não será a primeira nem última vez que o amor nos bate à porta, confiante e subtil, meigo e transparente. Sem deixar de acreditar, claro, que um dia vem para ficar.