bolha

 Não tenho palavras para ti. E olha que escrevo sempre o que me apetece. Mas, para ti, não há letras que te caibam nem poemas que te enalteçam. Reservo-te um mar de silêncios, e quiçá olhares, que te explicarão tudo o que não tive oportunidade de te dizer. Ou é porque se me ata um nó na garganta que me cala a voz ou porque se me prendem os dedos e não consigo escrever. E bem sabes que nada me trava a escrita, mesmo quando o melhor a fazer era estar quieta, sem afundar infinitamente o dedo na ferida, sem remexer no passado como uma louca à procura de confusão. 

Mas contigo, não consigo. Ou é porque não há feridas e o nosso caminho foi tão equilibrado que não houve lugar para quedas. Ou então, pelo contrário, guardo-te cicatrizes tão profundas que até a mim me assusta a possibilidade de as remexer.

Só sei que hoje, depois da poeira assentar, continuo sem te querer dizer nada. Embora tivesse um número interminável de coisas que precisava de te ter dito. Ou talvez gritado, numa tentativa desesperada de que me ouvisses. 

 Talvez o tempo nos leve ao entendimento que precisamos. Talvez eu cresça o suficiente para me conseguir expressar, quando (e se) o dia chegar. Pode ser que te consiga escrever uma carta quando perceber que estás longe e feliz, sendo o homem que eu imaginei que podias ser ao meu lado. Talvez nesse dia rebente a bolha de palavras que não te disse e te consiga fazer perceber que não houve outra forma de me encontrar se não longe de ti. Pode ser que seja tarde e já não tenhas a mesma morada. Também pode ser que a leias sem te conseguires lembrar da minha cara, arrumando as recordações onde elas devem estar. 

E se assim for, não vou estranhar, és o homem mais bem resolvido que conheci. Há um charme infinito na certeza com que caminhas e enfrentas o mundo. Mesmo quando não tens certezas de nada.